A Encomendação ou o Apregoar das Almas

E muitos dos que dormem no pó na terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para a vergonha e o desprezo eterno. (Daniel, 12:2)

Nos idos do tempo, quando as luzes da noite eram tão-somente as estrelas do céu, cumpria-se um interessante ritual comunitário destinado a sufragar aqueles que penavam nas chamas ardentes do Purgatório. Esta “liturgia popular, praticada à margem da igreja,” decorria no período penitencial da Quaresma, em contexto noturno, mal o sino batesse as nove horas sombrias. Nesse momento, homens e mulheres ajuntavam-se em grupos e tomavam a direção dos locais mais elevados da aldeia para que as gentes da Labruja e das povoações circunvizinhas do Bárrio e de Cepões escutassem o coro de vozes plangentes num apelo coletivo à oração. Do alto dos lugares da Casa Branca e da Torre – dois dos sítios mais evocados por quem se recorda do costume –, os encomendadores iam ecoando uns “cânticos arrastados e suplicativos” que exortavam à reza pela “ressurreição das almas depois de purificadas no Purgatório” – espaço “encaixado entre o paraíso e o inferno.” Estas composições quase pranteadas traduziam, ademais, a consciência da efemeridade da vida e a necessidade de observância dos “ideais cristãos” para obtenção “de conforto e de segurança no encontro com a morte.”
Alerta, alerta!
A vida é curta,
A morte é certa!
Ó irmãos meus,
Filhos de Jesus Cristo,
Lembrai-vos das benditas almas
Que estão no fogo do Purgatório.
E quem puder rezar um Padre-Nosso com uma Ave-Maria
Será por amor de Deus.
No recato das suas casas, os crentes atendiam aos cantos, acendendo velas e orando pelas almas dos defuntos com respeito e devoção. Era convicção do povo que esta prática de sufrágio, além de abreviar “a ascensão ao céu,” favorecia a futura intercessão dos mortos pelos vivos – os encomendadores das preces – numa espécie de “lógica de reversibilidade de méritos.”
O apregoar das almas – ato de purificação associado ao “progresso espiritual e ao alívio das penas” – está há muito desvinculado do calendário ritual da Labruja e das formas de expressão da religiosidade das suas gentes. Ficam as memórias de quem ainda se lembra daquela performance vocal inserida no contexto da Quaresma.

Fontes:

 ISIDRO, Alexandra (coord.) – Encomendação das almas no concelho da Guarda: a singularidade de uma tradição secular [Em linha]. Guarda: Município, 2010. [Consult. 11 mar. 2025]. Disponível na Internet:< https://www.ccdrc.pt/wp-content/uploads/2023/12/monografia16.pdf>

ANTUNES, Pedro Gonçalo Pereira – Depois da morte: o restauro imaterial da encomendação das almas [Em linha]. Trabalho de projeto apresentado à Universidade Nova de Lisboa em 2015 para obtenção do grau de Mestre em Antropologia. [Consult. 11 mar. 2025]. Disponível na Internet:< https://run.unl.pt/bitstream/10362/16181/1/depois%20da%20morte%20%28EdA%29.pdf>

LOPES, Maria Inês Afonso – A devoção às almas em Portugal: perspetiva antropológica e histórica. In Genius Loci: lugares e significados (vol. 2) [Em linha]. Porto: CITCEM, 2017. [Consult. 11 mar. 2025]. Disponível na Internet:< https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/17041.pdf>

PASSARELLI, Ulisses – Encomendação das almas: um rito em louvor dos mortos. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei [Em linha]. Vol. 12 (2007). [Consult. 11 mar. 2025]. Disponível na Internet:< https://docs.google.com/document/d/1_mwRyDvZhTbbdo8qncrO9OLPEPcaTaf8n6pNBSXELwg/edit?tab=t.0>

AGUIAR, Cristina – Fragmentos atávicos na relação com Além na religiosidade popular. In O céu é apenas um disfarce azul do inferno [Em linha]. Porto. Universidade, 2016. [Consult. 11 mar. 2025]. Disponível na Internet:< https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/14394.pdf>

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